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domingo, 13 de março de 2011

Introdução sobre a mitologia

© istockphoto.com / Danilo Ascione
Estátua do deus grego Apolo
Mitologias são narrativas sobre seres sobrenaturais que procuram explicar a origem do Universo, dos homens, dos animais, dos costumes e dos valores mais importantes de uma cultura. São histórias fantásticas em que deuses, semideuses e heróis humanos se aventuraram para a criação do mundo como o conhecemos. Essas narrativas, que surgiram nos tempos primitivos, foram transmitidas oralmente durante séculos até terem seus primeiros registros escritos na Antiguidade. Desde então, elas continuam a nos encantar e influenciar.

Desde os primórdios, diferentes culturas em diferentes momentos históricos e de desenvolvimento criaram suas próprias mitologias. Afinal, todas elas precisavam achar uma explicação para os fenômenos naturais e para justificar suas hierarquias e o funcionamento de suas instituições sociais. Assim, egípcios, gregos, romanos, sumérios, maias, incas, astecas, tupis, celtas, nórdicos e vários outros povos criaram seus próprios mitos que serviram para explicar o mundo ao seu redor.

De todas elas, a mitologia grega foi a mais influente. Sete séculos antes de Cristo, o poema “Teogonia” atribuído a Hesíodo expôs em cerca de mil versos a criação do Universo e a origem das divindades. Esse tratado sobre a mitologia grega mostrou também a ascensão de Zeus até se tornar o soberano supremo dos deuses. Além de Hesíodo, as principais características da mitologia grega foram definidas nos poemas “Ilíada” e “Odisséia”, atribuídos a Homero.

Antes dos gregos, outras civilizações como os egípcios, os sumérios e os hindus já tinham constituído suas mitologias. Cada uma delas com suas divindades e com diferentes explicações para a origem e o funcionamento do mundo, dos fenômenos da natureza, do sentido da existência dos homens e das sociedades. ApesarMitologia: as primeiras lendas e mitos de apresentarem diferentes narrativas e terem surgido em diferentes locais e épocas, todas as mitologias que despontaram ao redor do planeta se relacionaram a tradições religiosas e se basearam em acontecimentos e seres fantásticos.


Mitologia: as primeiras lendas e mitos

É provável que os primeiros mitos tenham surgido ainda no período Paleolítico, em algum momento entre 250 mil e 40 mil anos antes de Cristo. Evidências arqueológicas mostram indícios de que o Homem de Neandertal – um predecessor do Homo sapiens – tinha uma consciência mitológica, com crença num mundo metafísico, práticas ritualísticas e construções de santuários. Mas, foi somente com o desenvolvimento da linguagem e dos sistemas de escrita que os registros mitológicos das eras ancestrais chegaram mais claramente até nós.

Assim, sabemos que nos tempos das primeiras grandes civilizações, como a egípcia que surgiu há cerca de sete mil anos, eram as lendas e os mitos que explicavam a aventura humana. Transmitidas oralmente de geração para geração, essas narrativas eram vistas como verdadeiras, como reveladoras da “história” do mundo e da humanidade para aqueles povos.

Nos primórdios, os mitos tinham o papel de contar como tudo começou. Eles narraram como em um tempo em que nada existia a intervenção de entes sobrenaturais fez surgir o cosmo, o mundo, os reinos animais e vegetais, os comportamentos humanos ou simplesmente uma montanha. Seu objetivo desde o princípio tem sido explicar a realidade e a complexidade do mundo em que vivemos. E eles não são simplesmente o produto de uma ou várias imaginações criativas que inventam histórias fantásticas. Os mitos se originam a partir de uma visão mística das experiências humanas mais essenciais. Como observa Joseph Campbell, um dos maiores estudiosos sobre mitologia, o que é comum a todos os seres humanos se revela nos mitos. Uma mitologia reúne assim as narrativas místicas de uma determinada cultura em uma determina época sobre a busca da verdade, do sentido de estarmos vivos, da experiência de vida de um povo.

Uma das mais antigas mitologias é a egípcia. Cerca de cinco mil anos antes de Cristo, no norte da África, os egípcios formaram uma das primeiras civilizações da história. Muitas das lendas e mitos que floresceram naquele período foram influenciadas pela relação deles com o Rio Nilo, cujas margens irrigadas pelas cheias periódicas eram as grandes provedoras de alimentos para aquela civilização. Segundo a mitologia egípcia, no princípio dos tempos só havia um caótico oceano de águas revoltas. Quando essas águas baixaram, surgiu uma faixa de terra e sobre ela estava o deus Aton, que teria iniciado então a criação do mundo e das coisas que fazem parte dele. Esse deus criador também foi conhecido como Ra, ou em outra versão como Amon. Ele chegou a ser reverenciado como o pai de todos os reis e deuses egípcios. Entre os mais importantes descendentes de Rá está Osíris, considerado deus da fertilidade, da agricultura e, após sua morte, deus dos subterrâneos ou do mundo inferior. O mito de Osíris era visto pelos egípcios como uma metáfora da vida, da morte, do renascimento e da vida eterna. A mitologia egípcia, composta por lendas e mitos inter-relacionados, procurava explicar vários aspectos da vida cotidiana, da natureza e do mundo espiritual, como o nascer e o pôr-do-sol, a morte e o além, as mudanças das estações, a existência dos planetas, do sol e das criaturas vivas.


Quase tão antiga quanta a egípcia era a civilização suméria, que ocupava a Mesopotâmia, região do Oriente Médio onde hoje está o Iraque. Povo agrícola que desenvolveu técnicas de irrigação para vastas áreas secas e desérticas da Mesopotâmia, eles desenvolveram um conjunto de lendas, mitos e crenças espirituais que influenciariam a mitologia cristã, principalmente no Antigo Testamento, a judaica, a islâmica e também a grega. O dilúvio é um dos temas presentes na mitologia suméria e a lenda de Gilgamesh um dos principais relatos que revelaram o conjunto de deuses e heróis daquela civilização.

Enquanto a mitologia suméria influenciaria principalmente as religiões e mitos ocidentais, no Oriente uma das mais antigas e importantes mitologias era a hindu. Estudiosos acreditam que os mitos e as lendas hindus começaram a surgir há cerca de dez mil anos. A principal fonte escrita do que os indianos chamam de “história dos tempos ancestrais” está no “Mahabharata”, obra literária provavelmente escrita no final do século 3. A mitologia hindu tem uma visão cíclica da vida e do Universo, na qual as principais divindades responsáveis pela criação e destruição de todas as coisas existentes são Shiva, Vixnu e Brama.

Essas primeiras mitologias já mostraram o aspecto universalista dos mitos. Em diferentes partes do mundo e épocas, culturas diversas lidaram com os mesmos temas essenciais da existência do homem, como a criação do mundo, o mistério da morte, a humanização dos deuses, a ressurreição. Esses assuntos voltariam a aparecer em duas das mais influentes mitologias já existentes, a grega e a romana.

A mitologia greco-romana

As principais religiões, como o cristianismo, o judaísmo e o islamismo, são mitologias que contam com milhões de seguidores ao redor do planeta. Mas, há duas outras mitologias que, mesmo sem pessoas que as cultuem nos dias atuais, estão entre as mais importantes e influentes da história.


Uma delas é a mitologia grega cujas obras poéticas atribuídas a Hesíodo e Homero, provavelmente escritas entre os séculos 8 e 7 antes de Cristo, constituíram a sua base escrita. Elas definiram as características dos deuses do Olimpo e deram cores às aventuras dos heróis gregos até então narradas oralmente de geração para geração. Apesar de vistos como obras ficcionais, verdadeiras alegorias, por pensadores como Platão (o primeiro a usar o termo mitologia) e Aristóteles, os mitos e lendas eram aceitos como narrativas reais pela população grega. Enquanto Homero mostra na “Ilíada” e na “Odisséia” a aventura dos gregos, seus heróis e deuses na Guerra de Tróia e na saga de volta para casa, Hesíodo escreveu sobre a gênese dos deuses em “Teogonia”. A mitologia grega refletia a sociedade patriarcal e a forma de governo da Grécia antiga.
Com narrativas e personagens que se inter-relacionam desde o princípio, a mitologia grega se tornou a mais complexa e sofisticada de todas, com uma abrangência que atinge a tudo que diz respeito à experiência humana. É no chamado “helenismo” (século 4 a.C. – século 2 a.C.), período do apogeu da civilização grega, que ela se difunde com as características que conhecemos hoje. Na mitologia grega, o Monte Olimpo era a morada dos deuses assim como o ponto central da Terra. Mas antes dos deuses e de tudo existir, era o Caos, uma massa na qual estavam as sementes das coisas. Dele surgiu a Terra e o Céu que geraram os Titãs, que eram os deuses primordiais. Entre os Titãs, estavam Saturno e Réia que tiveram como filho Zeus, que viria a ser o mais poderoso de todos os deuses e pai dos seres humanos. No panteão politeísta grego, os deuses eram figuras antropomórficas, com costumes e aparências similares às dos homens. A cosmogonia retratada na mitologia grega, ou seja, a versão da origem do universo, é apenas o início de uma narrativa que desvenda de forma genial a multifacetada natureza humana.
A cultura romana foi outra importante fonte dessas histórias irreais que procuram explicar o mundo real, que são os mitos. A mitologia dos romanos foi fortemente influenciada pela grega. A origem mitológica do povo romano, por exemplo, remete à narrativa da “Ilíada”. No poema épico “Eneida”, escrita por Virgílio no século 1 antes de Cristo, conta-se a história do herói Enéas, fundador dos romanos, filho do mortal Anquises e da deusa Vênus. Ele era casado com Creusa, filha de Príamo, rei de Tróia na época da luta contra os gregos. Com a derrota de Tróia, Enéas fugiu com seu pai e seu filho e refugiou-se na península itálica onde lutaria para estabelecer o que viria a ser o poder imperial de Roma. Há também uma nítida equivalência entre os deuses antropomórficos gregos e romanos, que muitas vezes apenas recebem nomes diferentes, mas desempenham o mesmo papel e têm as mesmas características.     


A riqueza das mitologias grega e romana é tal que, mesmo após o fim dessas civilizações, elas continuaram a influenciar a humanidade. E a importância dessa influência se estende por aspectos sociais, artísticos e políticos da vida ocidental.   

A mitologia na era moderna

Desde os tempos ancestrais os mitos procuram explicar de uma forma fantástica como as coisas surgiram, por que são assim e de que forma acontecem. Deuses, semideuses e heróis têm sido os personagens centrais dessas narrativas em diferentes culturas e em diferentes épocas. Nos tempos modernos, muitas sagas criadas para a literatura, quadrinhos ou cinema têm se inspirado nos mitos e nas lendas gregas, sumérias, romanas, célticas, egípcias e nórdicas, e também são influenciados por mitologias atualmente cultuadas como a cristã e a judaica.
Essas grandes narrativas ficcionais modernas não parecem trazer novidades em relação à compreensão do mundo, além daquelas já desenvolvidas por grandes mitologias, como a grega e a cristã. Elas também não são a rigor uma representação coletiva de divindades e lendas, passadas de geração em geração.

Duas dessas sagas ficcionais contemporâneas – “O Senhor dos Anéis”, de J.R.R. Tolkien, e “Guerra nas Estrelas”, de George Lucas – apresentam a construção de universos totalmente novos e cheios de elementos mitológicos, que reproduzem na essência temas já explorados nas mitologias tradicionais. Elas se aproximam das características mitológicas por conta de suas estruturas narrativas e características fantásticas, divinas e heróicas dos personagens, assim como por serem diferentes formas de revelarem suas explicações do mundo para nossas mentes.

Ao analisar o universo de “Guerra nas Estrelas”, Joseph Campbell considera que os filmes da saga possuem uma perspectiva mitológica válida. Para ele, em “Star Wars” o Estado é visto como uma máquina e a questão é saber se essa máquina vai esmagar a humanidade ou vai se colocar a seu serviço. Campbell compara a questão mitológica colocada em “Star Wars” com àquela posta por Goethe ao narrar a lenda de Fausto: “Mefistófeles, o homem máquina, pode nos prover de todos os meios e está igualmente apto a determinar as finalidades da vida. Mas a peculiaridade de Fausto, que o qualifica para ser salvo, é que ele busca finalidades diferentes das da máquina. Ora, quando tira a máscara de seu pai, Luke Skywalker cancela o papel de máquina que o pai tinha desempenhado. O pai era o uniforme. Isso é poder, o papel do Estado”.

A atualização dos universos mitológicos é uma forma da humanidade relembrar suas origens e aprender o segredo das coisas. As narrativas sobre deuses e heróis que se tornaram modelos mitológicos universais continuam a ajudar a dar sentido à existência. Campbell entende que a importância de se conhecer sobre as mitologias está no fato de que elas nos abastecem “de informação, provenientes dos tempos antigos, que têm a ver com os temas que sempre deram sustentação à vida humana, que construíram civilizações e enformaram religiões através dos séculos, têm a ver com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares da travessia, e se você não souber o que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta”.
Sílvio Anaz.  "HowStuffWorks - Como funciona a mitologia".  Publicado em 18 de fevereiro de 2009  (atualizado em 19 de fevereiro de 2009) http://pessoas.hsw.uol.com.br/mitologia1.htm  (13 de março de 2011)

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